terça-feira, 20 de julho de 2010

JÁ QUE NÃO FALEI NO DIA...



Imaculada Conceição



Ontem, comemoramos (antecipadamente) o Dia do Amigo numa escola em que trabalho. Ela fica próxima à escola em que aconteceu a tragédia do menino Wesley, de onze anos, atingido e morto por uma bala ("perdida"!) em sala de aula.(1*) Os professores do Rio estavam de luto! As escolas estavam de luto! Por esse motivo, em nosso Centro de Estudos, os professores ficaram entre a alegria do encontro amigo e as tristezas ao relembrarmos o episódio, sobretudo ao imaginarmos a dor dilacerante e inconsolável dos pais, o desespero dos professores que socorreram a criança, de seus coleguinhas e demais professores e funcionários da escola. E também as possibilidades disso vir a acontecer com qualquer um de nós, cariocas ou não, nós, que habitamos, trabalhamos, construímos nossas vidas, (con)vivemos em áreas "conflituosas"...

Mas não foi pra falar sobre violência e tragédias que escrevo este post! E sim para falar sobre amizade. É que ontem, na reunião do Centro de Estudos, cada professor expressou o que era pra si a amizade. Muitos deram exemplos, citando seus amigos mais queridos, relataram fatos curiosos de como a amizade nasceu, continuou ou se perdeu com o tempo, outros dissertaram sobre o significado do conceito de amizade, uma professora leu uma poesia, e teve até quem falasse sobre a origem do Dia do Amigo (nesta hora, eu me distrai, divertindo-me ao me empanturrar com as guloseimas do encontro: bolos recheados com pasta de damasco, pudim de leite casado com bolo de chocolate, pipocas, bombons, sonhos deliciosos... de modo que se alguém me perguntar qual a origem... hum...).

Olhe, eu disse “me distrai"... sim... eu e todos nós, professores... é como dizia Blaise Pascal, não importa qual grande seja a dor ou a preocupação que nos aflige... logo aparece algo para nos "distrair", nos "divertir" ("desviar": é o sentido etimológico de divertir-se, distrair-se) dos problemas, preocupações, dores etc. "Por mais cheio de tristeza que um homem se encontre, se porventura conseguirmos que entre num divertimento, será feliz durante esse tempo" (PENSAMENTOS: fr.130/Br B. PASCAL).(2)

Bem, e agora eu me distrai da "distração" (que era nossa conversa sobre amizade, além das guloseimas...)! Voltando, então...

Todos falaram sobre amizade, menos eu e outra professora. Mas ela fez melhor do que falar: ela escreveu pequenos cartões com palavras de fé e esperança e nos presenteou ao término do encontro. E eu... Eu fiquei devendo... Por isso decidi escrever este post.

Hoje eu vi na net uma reportagem sobre o episódio do aluno morto e tinha uma foto do pai do menino.(3*) Isso fez eu me lembrar de meu pai, de algo que ele me ensinou sobre a amizade. Não, nenhum paralelo com a triste história deste pai que acaba de perder seu garotinho. Eu apenas lembrei-me do meu pai ao ver a foto de um pai dedicado...

Quando era criança, eu e mais dois irmãos (sou de uma família de sete irmãos, mas só nós três, pela idade aproximada, partilhávamos as mesmas brincadeiras) adorávamos brincar de nos jogar nos braços de nosso pai de algum lugar alto. Subíamos na mureta da varanda ou na pia da cozinha ou na janela da sala e cada um de nós se lançava em seus braços. Até aí, uma brincadeira, acredito, comum entre pais e seus filhos, crianças pequenas...

O que tinha de diferente é que meu pai sempre contava a história de um homem, que se tornou "um grande homem" (se alguém conhece a história, conte-me, por favor, porque eu não lembro quem foi o cara), cujo pai brincava com ele desta mesma brincadeira de se atirar nos braços. Um dia, este pai disse pro filho: "Vem, papai vai segurar", e quando a criança se lançou, o pai o deixou se esborrachar feio no chão! E ainda completou: "Isso é pra você aprender que, se não se pode confiar nem em seu próprio pai que dirá nos outros"! Bela lição! O cara aprendeu e se tornou alguém importante!

Toda vez que nós, eu e meus dois irmãos, íamos nos atirar nos braços de papai, ele repetia as mesmas palavras da história: "Vem, papai vai segurar"! Então, nos entreolhávamos desconfiados e... não resistíamos... nos atirávamos em seus braços! Nem uma única vez papai nos deixou cair! Mas ele sempre nos fazia (re)lembrar a velha história, como quem pergunta: "por que (ainda assim) confiam"?

Bem, meu pai não formou nenhum "grande homem da história"(4), mas tenho certeza que nos deu a mais linda lição sobre a amizade e o amor! Em vez de nos ensinar que não devemos confiar em ninguém, já que até o próprio pai pode trair seu filho, ele nos ensinou que apesar de existirem pessoas que vão nos trair, nos magoar, nos deixar na mão, nos machucar (e estas podem ser inclusive as que mais amamos e confiamos), sempre existirão aquelas que, aconteça o que acontecer, nunca vão nos deixar cair e nos acolherão em seus braços! :)




NOTAS

(1)*"Wesley temia os tiros; morreu com o lápis na mão" (VIOLÊNCIA URBANA): Por Alberto Dines em 20/7/2010: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=599IMQ001

(2)Ou ainda: "Esse homem tão abatido com a morte de sua mulher e de seu único filho e sujeito ao tormento de tão grande dor, por que não está triste neste momento? Não há motivo para estranharmos: acabam de entregar-lhe uma bola e cabe-lhe atirá-la a seu companheiro, ei-lo a pegá-la de modo a marcar um ponto." (PENSAMENTOS: fr.140/Br B. PASCAL).

(3)*"Cabral pede desculpas, mas não vai a enterro de Wesley": Enviado por Jorge Antonio Barros: 18/07/2010 http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/posts/2010/07/18/cabral-pede-desculpas-mas-nao-vai-enterro-de-wesley-309066.asp

(*1 e *2)Os links levam a textos que vi na net na ocasião, cito-os apenas pelas "imagens" e pela referência ao fato, e não por qualquer outro motivo...

(4)Ao menos meu pai viu suas crianças crescerem como cidadãos de bem, ao contrário do pobre pai do menino Wesley, que só teve a chance de ver sua pequena criança injustamente morta...

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