domingo, 1 de julho de 2012

Ainda no Clima da Rio+20. Um Texto de Leonardo Boff...



Insuficiências conceituais da Rio+20


O que espanta é que o documento final e o rascunho não mostram nenhum sentido de autocrítica. Não se perguntam por que chegamos à atual situação, nem percebem, claramente, o caráter sistêmico da crise. Aqui reside a fraqueza teórica e a insuficiência conceitual deste e, em geral, de outros documentos oficiais da ONU.


Leonardo Boff


Não corresponde à realidade dizer que a Rio+20 foi um sucesso. Pois não se chegou a nenhuma medida vinculante nem se criaram fundos para a erradicação da pobreza nem mecanismos para o controle do aquecimento global. Não se tomaram decisões para a efetivação do propósito da Conferência que era criar as condições para o “futuro que queremos”. É da lógica dos governos não admitirem fracassos. Mas nem por isso deixam de sê-lo. Dada a degradação geral de todos os serviços ecossistêmicos, não progredir significa regredir.


No fundo, afirma-se: se a crise se encontra no crescimento, então a solução se dá com mais crescimento ainda. Isso concretamente significa: mais uso dos bens e serviços da natureza o que acelera sua exaustão e mais pressão sobre os ecossistemas, já nos seus limites. Dados dos próprios organismos da ONU dão conta que de desde a Rio 92 houve uma perda de 12% da biodiversidade, 3 milhões de metros quadrados de florestas foram desmatados, 40% mais gases de efeito estufa foram emitidos e cerca da metade das reservas de pesca mundiais foram exauridas.


O que espanta é que o documento final e o rascunho não mostram nenhum sentido de autocrítica. Não se perguntam por que chegamos à atual situação, nem percebem, claramente, o caráter sistêmico da crise. Aqui reside a fraqueza teórica e a insuficiência conceitual deste e, em geral, de outros documentos oficiais da ONU. Elenquemos alguns pontos críticos.

Os que decidem continuam dentro do velho software cultural e social que coloca o ser humano numa posição adâmica: sobre a natureza como o seu dominador e explorador, razão fundamental da atual crise ecológica. Não entendem o ser humano como parte da natureza e responsável pelo destino comum. Não incorporaram a visão da nova cosmologia que vê a Terra como viva e o ser humano como a porção consciente e inteligente da própria Terra com a missão de cuidar dela e garantir-lhe sustentabilidade. Ela é vista tamsomente como um reservatório de recursos, sem inteligência e propósito.


Acolheram a “grande transformação”(Polanyi) ao anular a ética, marginalizar a política e instaurar como único eixo estruturador de toda a sociedade a economia; de uma economia de mercado passou-se a uma sociedade de mercado, descolando a economia real da economia financeira especulativa, esta comandando aquela. Confundiram desenvolvimento com crescimento, aquele como o conjunto de valores e condições que permitem o desabrochar da existência humana e este como mera produção de bens a serem comercializados no mercado e consumidos.

Entendem a sustentabilidade como a maneira de garantir a continuidade e a reprodução do mesmo, das instituições, das empresas e de outras instâncias, sem mudar sua lógica interna e sem questionar os impactos que causam sobre todos os serviços ecossistêmicos. São reféns de uma concepção antropocêntrica, quer dizer: todos os demais seres somente ganham sentido na medida em que se ordenam ao ser humano, desconhecendo a comunidade de vida, também gerada, como nós, pela Mãe Terra. Mantém uma relação utilitarista com todos os seres, negando-lhes valor intrínseco e por isso como sujeitos de respeito e de direitos, especialmente o planeta Terra.


Por considerar tudo pela ótica do econômico que se rege pela competição e não pela cooperação, aboliram a ética e a dimensão espiritual na reflexão sobre o estilo de vida, de produção e de consumo das sociedades. Sem ética e espiritualidade, nos fizemos bárbaros, insensíveis à paixão de milhões de milhões de famintos e miseráveis. Por isso impera radical individualismo, cada país buscando o seu bem particular por em cima do bem comum global, o que impede, nas Conferências da ONU, consensos e convergências na diversidade. E asssim, hilariantes e alienados, rumamos ao encontro de um abismo, cavado por nossa falta de razão sensível, de sabedoria e de sentido transcendente da existência.


Com estas insuficiências conceituais, jamais sairemos bem das crises que nos assolam. Este era o clamor da Cúpula dos Povos que apresentava alternativas de esperança. Na pior das hipóteses, a Terra poderá continuar mas sem nós. Que Deus não o permita, porque é “o soberano amante da vida” como atestam as Escrituras judaico-cristãs.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.


Imagens: cenas das animações criadas por meus alunos do ensino fundamental (E.M.Mario Piragibe/6ª-CRE-RJ) sobre a Conferência Rio+20: http://imaculadacon.blogspot.com.br/2012/06/no-clima-da-rio20.html


(*) Postado por Imaculada Conceição M. Marins [texto reproduzido da página de Carta Maior: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5662


terça-feira, 19 de junho de 2012

No clima da Rio+20 (vinhetas de meus alunos do fundamental)


RIO+20 - O Futuro que Queremos (I)  
 RIO+20 - O Futuro que Queremos (II)



RIO+20 - O Futuro que Queremos (III)

 AINDA...

POLUIÇÃO, NÃO!
 

NOTAS:
Os vídeos nos sites...
Da Campanha: O Futuro que Nós Queremos - UNIC Rio - Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil
Rio+20 - O Futuro que Queremos (I)

sábado, 7 de janeiro de 2012

Educação: Novos Paradigmas [2]




Meu comentário ao texto de João Mattar: Formação de Professores

[ Originalmente um comentário informal(*) à postagem de João Mattar(**), em seu blog sobre cursos de formação de professores.(1)
Como, noutro dia, postei aqui um comentário que fiz - Educação: Novos Paradigmas 1 - de seu vídeo, que fala do uso de games na educação... achei que seria interessante postar este comentário também... ]

Imaculada Conceição




Hoje estava andando pela praia e me veio à cabeça este grande insight, rs: “formação de professores” é a expressão politicamente correta, que inclusive uso, mas dá uma sensação de que os professores são deformados, não? De que temos uma forma pronta para formatar todos. Caberia perguntar aos professores se eles querem ser “formados” e, principalmente, para que forma.

A expressão politicamente correta em inglês, hoje, é Professional Development, que está mais próxima do campo semântico de aperfeiçoamento do que de formação.

Mas tem outro grande insight, mais antigo: é incrível como hoje todo mundo se considera preparado e capaz de formar professores no uso de tecnologias me educação (às vezes só porque sabe mexer em um software ou é apaixonado por tecnologia), todo mundo tem um coelho na cartola, um curso prontinho na cabeça, uma ideia de como os professores devem ser, em que eles devem se transformar, um discurso pronto sobre a “resistência” dos professores, um clichê sobre a zona de conforto, o que está errado na educação, uma revolução!

Todo mundo é capaz de rabiscar uma rota de formação de professores em minutos, seguro de que aquele é o melhor caminho, sem mesmo ter dado aula ou tendo tido um mínimo contato com alunos.

Mas valeria a pena ouvir só um pouquinho os professores, não? Saber o que eles querem, do que eles precisam. Este é um dos princípios do design educacional: analisar os aprendizes e seu contexto. Mas não, queremos mudar, enxergamos perfeitamente (de fora) o que está errado e como as coisas deveriam ser, ignorando o que os próprios professores pedem – afinal, se as coisas estão erradas, eles por consequência pedem errado, querem naturalmente continuar com o status quo, qualquer demanda deles é um sinal de resistência, e é preciso mudar, mudar para a nossa visão.

Cabe saber se queremos formar o outro, de acordo com as suas necessidades, ou reformar a nós mesmos, projetando no outro o que queremos mudar em nós. Mas o princípio básico da alteridade diz: eu sou eu, o outro é o outro.

Nunca estamos prontos, somos metamorfoses ambulantes, mas não precisamos necessariamente nos transformar no sonho dos outros. Nossa visão tem também que ser ouvida. Demonizar os professores não é a solução para a educação, mas um movimento na direção da tirania da formação.

Meu comentário ao texto de João Mattar:
Formação de Professores(*)


João, sob esta perspectiva que você citou, pior do que "formação" é "capacitação" (os cursos atuais para os educadores do Rio tem esse nome): seríamos então... "incapazes"? Na verdade, João, eu me importo bem pouco com a nomenclatura que dão aos cursos de "aperfeiçoamento profissional" (como você bem citou, uma nomenclatura boa, mas creio que não usada para evitar confusão com as "Pós" assim denominadas) que nós, professores, recebemos! Participo dos cursos de formação, das capacitações... e o que mais aparecer! Neles aprendemos bem mais do que o "conteúdo" oferecido (que às vezes não acrescentam quase nada ou são "nulos" para nossa real prática em "sala de aula")! Temos contato com outros colegas professores: e só isso já vale! É inacreditável como, não importa qual a estrutura da escola em que trabalhamos, se temos mais ou menos recursos disponíveis, mais ou menos liberdade/autonomia dentro dos espaços escolares, se a escola fica na periferia ou nas áreas centrais e "nobres" da cidade... Parece que os nossos problemas semelham... Alguns estão "tão desanimados" que confessam já terem "jogado a toalha", "desistido" da educação... mas, passa um tempo e... os reencontramos animados e confiantes, apresentando seus novos projetos! "Nós somos professores (brasileiros) e não desistimos nunca"! rs

Aliás, em falar em sala de aula, em prática pedagógica (em especial, no ensino fundamental e médio - e, mais especificamente, no ensino público), cito a frase que mais me chamou atenção aqui no seu texto (e a que mais gostei): "Todo mundo é capaz de rabiscar uma rota de formação de professores em minutos, seguro de que aquele é o melhor caminho, sem mesmo ter dado aula ou tendo tido um mínimo contato com alunos"! O mais assustador é quando nós, professores, que sabemos o que é educar em uma escola (todas as dificuldades reais!) construímos discursos que parecem ter sido feitos para "agradar" os caras que querem montar todo um esquema vindo "de fora"... A escola ainda é construída de modo a não nos permitir plenamente trabalharmos com projetos que possibilitem uma maior autonomia e conexão colaborativa entre nós, professores, e nossos alunos. Na maioria das vezes, o que conseguimos realizar dentro dos "novos paradigmas" educacionais acaba sendo nas atividades extra-classes (ou em projetos que - infelizmente - não abrangem todas as nossas turmas, durante todo o ano letivo).
O que é a "escola de fato"? Espaços/tempos (de)limitados = grade curricular/carga horária/(infra)estrutura construída de modo a não favorecer plenamente as "inovações" educacionais...

É preciso só um cuidado: há os que pensam que bastaria mudar toda a estrutura "arquitetônica" e inserir aulas com uso de TICs em salas ambientes bem equipadas para já estarmos trabalhando dentro de um "novo paradigma educacional"! Qualquer professor do ensino fundamental e médio que já trabalhou ou que conhece quem trabalha numa escola "com todos esses recursos" (ou que tem filhos, parentes ou filhos de amigos que lá estudam) sabe que não é bem assim... Eu estive numa reunião numa dessas escolas e fiquei tão encantada com seu "arquitetônico estilo futurista", que cheguei para um professor, que leciona nela, e disse: "Cara, você trabalha no paraíso!" - e ele me respondeu com ar desalentado: "Nem tudo é o que parece..."! Senti-me no filme Matrix!!!!

A "tecnologia pode trazer transformações importantes", sim, mas ela não é tudo... Eu conheci recentemente uma professora que trabalha com métodos tradicionais de alfabetização, e cujas as vagas para sua turma são concorridíssimas dentro da escola! As crianças que não conseguiram aprender a ler e a escrever em anos anteriores em outras turmas (e que estão com defasagem de idade/série) são pela professora alfabetizadas! Ela incentiva a leitura de livros e escritos "tradicionais" (e tem um projeto excelente, chamado "Rua da Leitura")! Em vez de games, jogos virtuais, ela trabalha com o xadrez! Eu vi alguns de seus alunos permanecerem espontaneamente na sala de aula jogando xadrez, ainda que liberados para se divertirem num gigantesco "parque de brinquedos" montado na escola na Semana do Dia das Crianças! Sim, ela poderia inserir as TICs em seu projeto pedagógico... Mas o que é "essencial"? O essencial é o modo como ela trabalha, como ela consegue construir com seus alunos o conhecimento. O uso das novas tecnologias seria nesse caso apenas uma "ferramenta", um "recurso a mais", não a "essencialidade" de sua prática pedagógica!(2)

Investir em uma reflexão a respeito da expansão tecnológica na sociedade, sua função sócio-político-cultural, sobre os modos de apropriação desta tecnologia, interessa a todos nós, professores ou não, trabalhando ou não com tais recursos, interessa-nos enquanto cidadãos. Eu não percebo tanta resistência assim entre os colegas professores em trabalhar com o uso das "novas" tecnologias... e menos ainda em possibilitar aos alunos uma maior autonomia na construção de seu conhecimento (trabalhando com projetos). Optar por uma determinada linha de trabalho agora se chama ser "retrógrado"? Eu chamaria de autonomia e liberdade. O que eu vejo é muito preconceito vindo "de fora", de quem não está envolvido no processo de trabalho das escolas de ensino fundamental e médio...

Para finalizar, outra citação: "Demonizar os professores não é a solução para a educação, mas um movimento na direção da tirania da formação"! Céus, João, espero que bem poucos "daqueles" que querem nos "formar", nos "formatar", nos "capacitar", e que não são professores regentes, (ainda) nos demonizem de fato! rs Tirania da formação? Que venham os tiranos! ;)

Imaculada Conceição

NOTAS:

1 - "Formação de Professores", por João Mattar: Publicado originalmente no Blog De Mattar, em 29 de dezembro de 2011: http://joaomattar.com/blog/2011/12/29/formacao-de-professores/

2 - "Desafios na Rua da Leitura - Profª Marisa Helena CIEP Rubens Gomes 6ªCRE" (19/11/2011), por Imaculada Conceição Manhães Marins - Rioeduca Net - A Revolução Acontece: http://www.rioeduca.net/blogViews.php?id=1518

3 - Fotos: Eu com os meus alunos, da E.M. Mario Piragibe/6ªCRE-RJ, em nossas aulas de "Animação experimental".