segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"ANIMAÇÃO TRASH": PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS EM ANIMAÇÃO DE MEUS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL - 1o. sem. 2009

[...algumas destas primeiras experiências estão participando da Mostra Competitiva do Festival Anim!Arte 2009... :) ...não consegui postar todos os trabalhos apresentados... problemas no carregamento do YouTube!]




ANIMAÇÃO TRASH: NOSSAS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS PARTE I (sotp motion, pixilation, folioscópio etc.) 2009


COMIDA MALUCA (pixilation) 2009


FOME DO SABER (pixilation)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

MINHA VAIDADE... ALGUNS DE MEUS TEXTOS "ACADÊMICOS" NA NET....

[ ...não consegui postar os links dos textos, mas, clicando nos links abaixo, chega-se às homes pages das revistas eletrônicas onde foram publicados... depois, é só procurar pelos textos... ;) ]




"Somos tão presunçosos que desejaríamos ser conhecidos por toda terra, e até pelas pessoas que vierem quando nela não estivermos mais, e somos tão vãos que a estima de cinco ou seis pessoas que nos cercam nos diverte e nos contenta"!
Blaise Pascal




Um olhar sobre o perspectivismo de Nietzsche e o pensamento trágico, Revista Trágica: Estudos sobre Nietzsche, 2º. Sem. de 2008 Revista Trágica> Estudos sobre Nietzsche




“Teu Deus será meu Deus”: A fé de Blaise Pascal de um ponto de vista pragmático, Cognitio-Estudos, julho/dezembro 2008 Revista: Cognitio-Estudos-PUC-SP




O indeterminado e a categoria do provável: Uma leitura dos milagres em Blaise Pascal, Revista Cognitio-Estudos, julho/dezembro 2007 Revista: Cognitio-Estudos PUC-SP


terça-feira, 20 de outubro de 2009

NA TERRA DA SAUDADE...


Como aprendemos e nos divertimos com nosso prêmio de viagem a Portugal


[Texto de 2008, originalmente um e-mail contando as novidades a um amigo "virtual", transformado em Relatório de Viagem entregue à Prefeitura do Rio. Esta versão simplificada foi solicitada posteriormente pela própria Prefeitura...]



As viagens são os viajantes. O que vemos não é senão o que somos.
Fernando Pessoa






Imaculada Conceição


Ano passado (2007), como preparativo às comemorações para o bicentenário da chegada da Família Real portuguesa ao Rio de Janeiro (1808-2008), eu, professora de Artes da 6ª.CRE e minha aluna, Karoline Brum, ganhamos um prêmio de viagem a Portugal. Seu desenho foi o vencedor das escolas do município do Rio. A aluna Haymara Reis (7ª.CRE), autora da redação premiada sobre o tema, e sua professora orientadora, Kátia Cordeiro, de História, foram nossas companheiras de viagem, juntamente com as mães das meninas, Fátima e Jomária.

Encontrei-me com o grupo já no saguão do aeroporto (havíamos combinado de irmos todas juntas numa van da 6ª.CRE, mas, por motivos pessoais, precisei buscar outro meio de transporte). Lá, Gustavo, fotógrafo da Prefeitura, registrou o nervosismo dos últimos preparativos rumo a nossa lusa aventura, que às 23 horas de um sábado, 26de julho de 2008, dava início ao embarcarmos no Tom Jobim, no Rio...

O desembarque no aeroporto de Lisboa foi recepcionado por Margarida, nossa simpática cicerone portuguesa, e Luis, o discreto motorista que nos guiou pelos trajetos turísticos. Após um breve tour de veículo pela Lisboa histórica, fomos conduzidas ao Hotel Arts Vips, na estação Oriente, na área do Parque das Nações, onde se realizou a Expo 98. Agradável e bem situado, tínhamos ainda o prazer de avistarmos, à entrada do hotel, um interessante mural de azulejos pintados à la pop-art e dos quartos, uma bela vista do estuário do Tejo.





Chegamos num domingo à tarde (27/07) e aproveitamos o dia livre para conhecermos melhor o “sítio” (como falam os portugueses) onde estávamos. Passeamos pelo Parque das Nações, tiramos fotos à beira do Tejo e almoçamos no Centro Comercial Vasco da Gama. Minha primeira (e boa!) surpresa foi ver que os portugueses são bem mais parecidos com a gente do que apenas o fato de compartilharmos a mesma língua... O povo de lá se parece muito com o nosso. Passeando pelo Centro Comercial me senti num destes shoppings daqui. Certo, shoppings centers (estas “catedrais do consumo”, como se diz) são shoppings centers em qualquer lugar do mundo! Mas eu falo das pessoas que por lá (e também pelas ruas, pelos metrôs, elétricos, comboios etc.) circulavam. Tudo com cara de brasileiro! Mas, a maior de minhas alegrias foi mesmo dar de cara com o clima quente do verão lisboeta, o ambiente ensolarado, o céu lindamente azul... Se Fernando Pessoa disse que sua pátria era a língua portuguesa, eu, por meu lado, diria que minha pátria é o clima, o ambiente em geral, quente e ensolarado, onde um fascinante céu azul cobre um povo simpático, receptivo, misturado, multicultural... Onde houver um clima assim, estarei em casa!



Na manhã seguinte, Margarida e Luis chegaram cedo ao hotel (não sem antes dar tempo de nos deliciarmos com o “pequeno almoço”, como eles chamam o farto café da manhã) para nosso primeiro passeio oficial. Fomos conhecer o bairro histórico de Belém e seus belos monumentos: o Padrão do Descobrimento, a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, uma das maiores obras da arquitetura quinhentista, o estilo manuelino (fechado em nossa primeira tentativa de visita, retornamos depois...) etc.


No Mosteiro, surpreendeu-me o túmulo de Fernando Pessoa (o escritor português dos heterônimos: suas muitas faces literárias): um monumento um tanto sem graça (minha primeira impressão...), me lembrava aquele monólito do filme “2001: Uma Odisséia no Espaço”, o que contrastava com o pátio interno, o claustro, e o preciosismo de seus detalhes arquitetônicos.






Mas a idéia até que era boa, as faces remetiam aos heterônimos do poeta e numa delas líamos: “Não basta abrir a janela pra ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego para ver as árvores e flores” (Alberto Caeiro).

Na igreja do Mosteiro, uma parada para fotografar os túmulos de Camões e Vasco da Gama. Na saída, passamos para experimentar os famosos (e deliciosos!) pastéis de Belém e almoçarmos na praça...




Caminhamos pelo bairro do Chiado, pelo Bairro Alto, Bairro de Alfama - o mais antigo e pitoresco de Lisboa com suas ruelas, escadarias e roupas secando nas janelas e cuja arquitetura dos casarios me lembrava uma parte do Rio...



Fomos então ao Castelo de São Jorge, não sem antes, do miradouro, nos extasiarmos com uma das mais belas vistas panorâmicas da cidade de Lisboa e do estuário do Tejo! Muito linda Alfama (este bairro histórico, cujo nome deriva do árabe e significa “fonte d’água”) vista do alto, com seu traçado irregular e bonitos telhados. Subimos às torres do Castelo, passeamos pelas plataformas das muralhas...




Fomos também ao Museu dos Coches, à Fundação Calouste Kulbenkian, ao Museu da Cidade de Lisboa (onde conhecemos um pouco da história da cidade, o terrível terremoto que a destruiu em 1775 e sua posterior reconstrução). Alguns pontos só vimos de dentro do veículo turístico: a Ponte 25 de Abril, o monumento Cristo Rei que semelha nosso Redentor carioca, a Praça do Comércio...


Noutra ocasião, visitamos o Palácio de Queluz e seus encantadores jardins, freqüentemente comparados aos de Versailles. Lá como em outros palácios que visitamos, Mafra, Palácio Nacional da Ajuda etc., encontramos a presença da realeza portuguesa que em nossas terras aportaram: D. João VI, D. Maria I, D. Carlota Joaquina, D. Pedro I (ou D. Pedro IV, título que nosso imperador ganhou ao retornar a seu país e que deu nome a uma famosa praça do centro de Lisboa, apelidada pelos portugueses, do Rossio) etc.

Numa das noites, no Bairro Alto, visitamos uma casa de Fado, onde nos deliciamos com as canções sobre Lisboa, saudades, amores, desencontros, paixões tristes... e, claro, as gostosuras da culinária portuguesa! Os artistas manifestaram muita alegria em ver que éramos brasileiras. Dedicaram músicas em nossa homenagem... Achei tudo muito simpático! E saber que entramos nesta casa meio que por acaso... Diria... pelo “destino”? - que é o que significa a palavra “fado”, do latim “fatum”! Foi uma noite bem alegre! Comemos bem, nos divertimos, Jomária se empolgou e até cantou!


No último dia de visita guiada (31/07), fomos a Cabo da Roca (a ponta mais ocidental do continente europeu, assim definida por Luis de Camões: “Onde a terra acaba e o mar começa”). Em Sintra, a bela cidade que inspirara o poeta Lord de Byron, infelizmente deu só pra tirar umas fotos, comprar uns postais, uns suvenires... No veículo, recebemos um sedutor folder com informações dos pontos turísticos (castelos, palácios, museus, adegas etc.). Ficamos apreciando Sintra impressa no papel, enquanto seguíamos para Cascais...




Em Cascais, jantamos depois de irmos à praia... Em Ericeira (onde também há praias), havíamos almoçado sardinha assada (o prato favorito deles no verão, segundo nossa cicerone portuguesa), queijo, vinho...


E já que falo de comida, aproveito para contar nossa experiência com uma sobremesa portuguesa, “Leite Creme”, num restaurante no Centro Comercial Vasco da Gama, onde fomos quase que “ obrigadas” a provar, pois o garçom, não sabendo nos explicar o que era, disse que é o que nos serviria para conhecermos... Aceitamos. Garanto-lhes... Um doce pra lá de gostoso!


No dia livre (terça, 29), Karoline e Haymara, acompanhadas de suas mães, foram conhecer o Oceanário e andar de teleférico no Parque das Nações. Eu, a professora Katia e duas amigas suas, em passeio pela Europa, fomos a Óbido (nome de origem latina que, embora possa nos fazer lembrar de algo “macabro”, na verdade significa “cidade fortificada”), onde estão preservadas as ruínas de um castelo medieval e suas quilométricas muralhas!

Minha impressão geral foi a que eu disse no início... Nos shoppings, no metrô, pelas ruas me sentia no Brasil. Pelo povo, pelo clima (quente do verão lisboeta), pela língua, pela arquitetura (além de nossa lusa colonização, o Rio foi sede da Família Real portuguesa, que montou pra esses lados todo um cenário - arquitetônico, artístico, cultural etc. - bem a seu gosto, que incluía um gosto francês). As meninas se divertiam com tudo. E certamente aprenderam muitas coisas. Nas várias visitas aos museus, Karoline aproveitava e fazia esboços dos quadros e fotografava as imagens que ela gostava (ela me disse que era para umas idéias que estava tendo...). Hayamara mostrava-se atenta a tudo como que pensando que boa história aquilo não ia dar!

Enfim, hora de irmos embora... Em 1 de agosto, eu, Karoline e Fátima retornamos ao Brasil (a professora Kátia, Haymara e sua mãe permaneceram na Europa, para uma esticada a Roma). Nos despedimos de Luis e Margarida, que nos assessoraram até nosso embarque.


Na volta, o brilho do sol e o céu azul sobre o Atlântico deixaram minha alma ainda mais satisfeita... Não apenas pela volta ao lar, como pelo contraste com o ambiente da ida (durante a noite, as janelas fechadas, aquela escuridão mórbida dos corredores, as pequenas luzes no teto do avião pareciam velar uma noite interminável...). No aeroporto Tom Jobim, uma van da 7ª. CRE nos aguardava junto a nossos familiares ansiosos pelas novidades da terra que nos deixou de herança a palavra “saudade”...




Fotos: Imaculada Conceição, Karoline Brum e Katia Cordeiro


O RUMO DA HISTÓRIA

O livro, a escola, o tempo, a vida...

(Escrito originalmente em 2003, reescrito em 2007, quando o enviei para a Revista Nós da Escola... Mexi em algumas palavras ao postar neste blog em 2009...*1)



“Quem jamais não viu a velhice louvar o passado e não louvar o presente, imputando ao mundo e aos costumes de sua época sua miséria e sua tristeza? ‘Sacudindo a cabeça calva, o velho lavrador suspira; compara o presente ao passado, louva a felicidade de seu pai e fala sem cessar da moral dos tempos antigos’ [LUCRÉCIO].” MONTAIGNE: Ensaios II; XIII (*2)




Imaculada Conceição





A menina abriu a mochila e tirou um livro. Devia estar curiosa com o rumo da história. Inconformados, seus colegas me cobraram uma atitude de repreensão: afinal, não se deveria ler (por puro lazer!) na sala de aula, no horário reservado aos deveres da disciplina. Compreensível. Na escola há uma “sala de leitura” e, em espaços escolares, cobra-se que tudo permaneça em seus lugares apropriados e tempo determinado. Assim, no meio de um turbilhão de olhares, uns concentrados no colorido de seus trabalhos de arte, outros a me cobrarem uma atitude, estavam um livro e uma menina a tirar da mochila, nesse ato tão singular e pessoal, um mundo. Tarde demais para detê-la. Silenciosa, ela havia mergulhado em sua leitura...

Um livro e uma menina a fazer coisas proibidas ao olhar de seus pares. Vendo-a ler, lembrei-me de mim mesma, de meu olhar originário, quando, pré-leitora, cometia pequenas e perversas transgressões com os livros que em minhas mãos se transformavam de suporte da escrita em "livros-arte".
"Preciosos" livros de capa dura, retirava-os um por um de sua pequena estante e, escondida de todos os olhares repressores, brincava de sublinhar, contornar, colorir, recortar, furar, rabiscar os inúmeros signos que ali encontrava e que não era ainda capaz de distinguir se números, letras, figuras, símbolos matemáticos, palavras conterrâneas ou estrangeiras. Tudo era encanto e mistério. Livros não serviam para serem lidos. Eram objetos de pura diversão. Sensorial. Carnal.
Meu pecado, no entanto, não era original, tive precursores: os furos das traças e a imundície das baratas. A estante, fragmento de uma velha penteadeira de minha mãe, dava morada, junto às palavras, a toda espécie de insetos caseiros; e a preciosidade dos livros estava antes na necessidade escolar de meu irmão mais velho e nos desmedidos esforços de meu pai, incansável em suas buscas pelos sebos da cidade, mesmo mal sabendo assinar o próprio nome, do que na qualidade ou raridade das edições.
Um dia... deram-me o castigo merecido... tive de aprender a ler!
Contra minha vontade...
Foi duro e dolorido tentar fazer sair de mim o que parecia nunca ter estado lá. "É nossa língua"! Repetiam-me, como se isso fosse bom argumento!
É nossa língua, mas como ela me parecia estranha assim, codificada nas páginas impressas... Tantas regras que mais conseguiam usurpar todo aquele encanto que outrora eu manipulava nos livros, do que me conduzir ao prometido: o fascinante acesso a um mundo novo!
Apanhei muito, chorei muito e, com as letras embaçadas pelas lágrimas, não imaginava encontrar nada sequer parecido com o prazer de outrora...
Mas como continuavam a me garantir que um dia isso me viciaria de tanto regozijo... Continuei. Machado de Assis, Mario de Andrade, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector... Os primeiros a me recortarem dos livros um outro prazer. Os primeiros a me levarem do meu cantinho de recortes e cores atrás da velha penteadeira até seus mundos: nosso mundo, nossa língua e suas múltiplas falas. Continuei...
Traduções me conduziram ainda mais longe, até um Cortazar, um Allan Poe, um Oscar Wilde, um Maupassant, um Kafka, um Dostoievski... Os primeiros a me conectarem com outras realidades, outros sonhos, outras dores, os primeiros a me pintarem uma outra história: nossa História, nosso mundo!

As palavras finalmente haviam me seduzido, mas o tremor continuou... e a língua permaneceu esse estranho alienígena a habitar-me... Talvez por isso (uma mal curada dislexia?) tenha escolhido as imagens às palavras...

Hoje, professora, a cada olhar iniciante que encontro, de fascínio ou temor, para com este estranho e sedutor objeto, o livro, me leva a refletir...


O que é o livro para nossas crianças e nossos jovens? É ainda importante? E a leitura? A escrita? Ainda sedutoras? Sim. Acredito que sim. Vejo que sim. Talvez a relação (ou o meio como chegam) é que tenha mudado. Não mais uma penteadeira velha com ensebados livros... Ou uma bibliografia forçosamente exigida pelo professor. Mas pela sedução das conversas na net, as indicações nos blogs pessoais, nos sites de relacionamentos - os MSNs e os Orkuts da vida, com suas múltiplas comunidades (quantas não são dedicadas a livros e escritores?)... Uma indicação de um amigo aqui, um comentário ali... E a curiosidade vai se instalando... Primeiro, uma versão on-line - para chegar rápido à obra e matar logo a curiosidade -, depois... De uma biblioteca virtual a uma real... Quem sabe? Mas só na virtualidade... quanta coisa não há?

E a escrita? Primeiro, uma conversa entre amigos internautas: a escrita rápida, “descuidada”, plena de gírias específicas, de sinais, de visualidades, de abreviações inventadas especialmente para esse meio... Uma fala quase “oral”, melhor: oral-literário-visual. Depois... Quem sabe... Às vezes, a vontade cresce... Vontade de escrever mais, de se expressar para um púbico maior do que seu virtual grupo de relacionamentos... Usar outros meios, outros modos de escrita... Vontade de expandir sua fala mundo afora...

Palavras... Falas... Livro, que importa se digital, navegável? Que importa se o livro é simples brochura, se ensebado, carcomido, ou belamente resguardado em duras e preciosas capas? E-book ou o velho livro guardião da palavra... que importa? ...um suporte para as escutas e falas, um passaporte para cruzar fronteiras, conectando o singular e o social, o individual e o histórico: o “eu” e o “eles” num “nós”...
Escrever, ler (palavras, imagens...) têm um lado que é sempre singular, pessoal, experiência única. Ao mesmo tempo, como dizê-la única e pessoal sem trair o coletivo ao qual pertencemos? O ar que respiramos e nos ensina a ver segundo seus perfumes: às vezes lúgubres, outras vezes doces... O povo do qual nascemos, seus sabores e dores, sua diversidade e adversidades... A língua que falamos, lemos, amamos (e, às vezes, tememos). Milhares de línguas, milhares de falas que o mundo comporta e que gostaríamos de poder partilhar pelo acesso direto ou pelos tradutores. Milhares de signos, de leituras: infindáveis em seus mistérios... Todo este “antes” em que um dia nos encontramos inseridos, todo este antes, mergulhado num agora, projetado num amanhã, chamado cultura e história e que nos faz ser como somos: um singular que compartilha um destino comum que coexiste num mesmo mundo e aí aprende a ser comum com todo outro: a conviver.


Tudo se repete e há sempre uma nova história. Aqui estou eu, professora, um turbilhão de olhares, um livro e uma menina. Ela poderia estar em qualquer tempo e lugar do mundo, mas ela e seus colegas estão aqui, cúmplices de nossa contemporaneidade. Encurralados pelo medo e balas perdidas; sitiados pela insegurança; desabrigados pelas enchentes e desmoronamentos; perdidos pela insensatez que reina solta: singulares tragédias que nos espreitam a cada esquina e nossa comum tragédia preste a fazer detonar o mundo inteiro.
O homem e o mundo, hoje como ontem, cada vez mais divididos pelas margens de um rio, pelos lados das montanhas, por destoantes tempos históricos que, paradoxalmente, se sobrepõem em nossa mesma contemporaneidade. Um mundo virtual e um mundo real, um mundo computadorizado, informatizado, sintonizado e um mundo volatilizado, virado poeira, pelos desertos de guerra e fome; um mundo chacinado, manchado. Aqui estamos nós: divididos pelo vazio que nos ronda, ou, quem sabe, o sentido que ainda nos resta? O que está ainda ao nosso alcance saber? O que ainda queremos? O que ainda nos é digno esperar? Quanta insegurança e conflitos, quantos problemas a serem superados: desemprego, desestruturação familiar, violência urbana, guerras de tráfico... Tantas urgências a serem satisfeitas: moradia insuficiente, condições precárias de saúde, vestimenta, alimentação... Superar tudo isso e ainda encontrar tempo, ânimo, disposição, alegria para se concentrar na leitura, dinheiro para comprar o livro ou empenho para pedi-lo emprestado, deslocar-se até uma biblioteca (às vezes distante...), conectar-se à rede... buscar o rumo da história!


Quase surreal? Mas o que sobra de realidade senão refugiarem-se (quando ao menos isso é possível!) nossos pequenos cidadãos neste "abrigo coletivo" chamado escola? E se para alguns ela “não mais interessa” (incluindo aí até mesmo professores, que já tendo desistido de acreditar, preferem louvar a escola do passado, o alunado de outrora, os “bons tempos” que não voltam mais... esquecendo que o tempo sempre se renova!), para muitos a escola ainda é o lugar da esperança, o lugar (às vezes o único!) que torna possível o encontro com novas possibilidades, experiências, perspectivas... Aqui (ainda) se condiciona e se repete – se “disciplina” - , mas aqui também se encontra o tempo e o espaço para se exercer a singularidade de ler, pensar, escrever, refletir, sonhar, criar e, então, (com)partilhar, comunicar...

Aqui, como na pequena estante de minha infância, deixei-me seduzir pelas imagens e palavras, suas leituras, suas vozes e escutas, suas cores e formas: a vida sempre a se renovar... Aqui, encontro olhares que se iniciam. Pequenos olhares: grandes olhares. Receosos, curiosos, inconformados, indisciplinados, exigentes, encantados... Aqui, no olhar de cada pequeno cidadão que nasce para o mundo inicia-se o esboço que continuará a traçar nossa cultura, nossa história, nossos destinos...





(*1) Este texto foi aceito para publicação na Revista Nós da Escola, da Multirio, em 2007, mas... a revista saiu de circulação e o texto nuca foi publicado...

(*2) Lucrécio, poeta e pensador latino do séc. I a.C., citado por Montaigne, pensador francês do séc.XVI, citado por Imaculada Conceição, arte-educadora do ensino fundamental do Rio de Janeiro, adentrando o séc.XXI.. ;)

A APLICABILIDADE DO PENSAMENTO FILOSÓFICO NA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

texto originalmente escrito em 2001 e modificado em 2007(1)


Não se deve ensinar pensamentos, mas a pensar; não se deve carregar o aluno,

mas guiá-lo se quer que ele seja apto no futuro a caminhar por si próprio.

[...] Ampliar a aptidão intelectual dos jovens que nos foram confiados e formá-los para um discernimento próprio [...]
Semelhante procedimento tem a vantagem de que o aprendiz, mesmo que jamais chegue ao último grau,

como em geral acontece, terá sempre ganho alguma coisa com o ensino e se terá tornado mais atinado,

senão perante a escola, pelo menos perante a vida.”

Immanuel Kant (2)







Imaculada Conceição

É difícil falar a propósito da necessidade do estudo filosófico no âmbito da prática da educação artística sem tocar neste ponto essencial: de que essa necessidade não difere em nada da que podemos exigir para todas as ordens da realidade humana.
Qualquer que seja a área de estudo, pesquisa ou ação, o pensamento filosófico e reflexivo é de suma importância. A origem da filosofia confunde-se com a origem das primeiras indagações humanas (primeiras, porque essenciais) em suas tentativas de compreender o mundo, a realidade e, sobretudo, buscar um sentido para a própria existência. O “papel” da filosofia (se formos procurar por uma “utilidade”: sempre tão exigida!) é o de contribuir através do exercício do pensamento, da reflexão e da crítica para que nos tornemos mais conscientes, não apenas de nosso próprio ser (i.e., nossa singularidade enquanto indivíduos, únicos e insubstituíveis), mas também de nosso fazer e de nossa inserção no mundo (o espaço sócio-histórico-cultural-etc. do qual fazemos parte), portanto, como sujeitos históricos, sociais e políticos que somos. Mas é especialmente na consciência de sermos integrantes de uma mesma comunidade: a comunidade humana (pessoas que têm direitos, mas também deveres, sobretudo éticos; pessoas que diferem em suas contextualidades e se assemelham por nossa humana origem comum), que o pensamento filosófico participa mais ativamente. Mas e quanto à educação em arte?

Poucos devem duvidar da importância do pensamento reflexivo nas várias áreas do conhecimento humano. Mas talvez haja alguns que ainda questionem qual a real aplicabilidade do estudo filosófico numa área de natureza essencialmente prática, como é o caso da educação artística. É ter no entanto a vista curta ou não estar disposto a penetrar no coração mesmo do fazer artístico (seja este de natureza musical, teatral, literária, visual etc.). Toda atividade artística exige um pensar específico (o pensamento visual, o pensamento espacial, o pensamento musical etc.) e uma inteligência própria que o viabilize. Ora, quem duvida que um músico não precise de uma atividade intelectual para criar e executar suas composições musicais? Ou que arquitetos não aliem inteligentemente visualidade espacial, beleza e cálculos matemáticos para o sucesso e viabilidade de seus projetos? Ou que um perfumista não faça plenamente uso de suas faculdades mentais para aliar conhecimentos de química com o prazer sensível de suas misturas aromáticas? Ou que um desenhista industrial não precise de uma inteligência matemática e de um atento senso comum para aliar prazer estético, praticidade e utilidade? O fazer artístico depende de um pensamento reflexivo capaz de conectar elementos diversos pertencentes às nossas múltiplas faculdades (capacidades), tais como o entendimento, a imaginação, a sensibilidade, etc.(3)

Certo, nossos alunos não são - ao menos ainda e talvez nunca pensem mesmo em ser - artistas plásticos, músicos, paisagistas, dramaturgos, estilistas, escritores, cenógrafos, cineastas, fotógrafos, dançarinos etc. Aliás, não é objetivo da arte na escola fundamental formar artistas e/ou críticos de arte; mas oportunizar o exercício do fazer/pensar/julgar/experimentar arte (numa compreensão de suas contextualizações). O que eu quero sublinhar aqui é que o exercício do fazer artístico não difere muito do de um profissional para o de um “amador” (alguém que só faz por hobby ou pelo simples prazer de fazer gratuitamente), assim como não mais para o de nossos alunos. O que difere a prática artística profissional da gratuidade singular (“desinteressada”) de todo fazer/pensar artístico (o “livre jogo das faculdades”) é a intenção (o “interesse”) - que se concretiza no final do processo. O processo em si (i.e., enquanto forma de pensamento) não difere muito. Nosso aluno, quando da construção de seu trabalho de arte, faz uso, tanto quanto o artista profissional, do “pensamento reflexivo” - que é a raiz do pensamento estético.(4) O que difere é que ele não tem por pretensão, por exemplo, sua inserção no Mercado e/ou na História da Arte, sua pertença ao meio artístico etc. ( - isso que não elimina toda “intencionalidade”, mas marca uma diferença de perspectiva e de orientação final desta, que, no caso, estaria orientada especialmente para o processo de construção do trabalho – inclusive como produto final, porém indiferente ao que não seja o simples fazer/criar; em outras palavras: a inter-conexão do pensar-fazer). Em comum ainda, além do pensamento reflexivo, a capacidade de interagir e comunicar-se: elos de conexão do pensamento e sentimentos de quem cria e/ou aprecia e ajuíza com toda a comunidade humana.

Pensar e fazer ou fazer e pensar são duas faces de uma mesma inserção no mundo. Ambos estão de tal modo intimamente conectados que o simples imaginar uma prática sem pensamento ou um pensar sem uma prática não passa de fato de uma quimera (talvez, mesmo, inconcebível, inimaginável, impensável: pois ao conceber, imaginar ou pensar, já não estamos nós praticando um ato - mesmo que seja o ato íntimo de cogitar? - e este não pode, cedo ou tarde, vir a inserir-se no mundo e tornar-se realidade sob alguma forma?). Pode-se pensar mal. Ou pode-se agir irrefletidamente (i.e., sem uma reflexão consciente das causas que originaram os nossos atos ou das conseqüências que eles terão). Pode-se negligenciar a conexão essencial entre o pensar e o agir; mas não se pode evitá-la (ao menos enquanto em pleno uso de nossas consciências). O mais simples fazer exige alguma forma de pensamento e uma inteligência específica que o acompanha. O mais elementar ato de pensamento exige uma ação que se executa no próprio ato de pensar; ou, em um nível mais elaborado, no construir-se como forma aplicada de pensamento (como obra, método, fala, informação, comunicação etc.), i.e., sua aplicação (realização) na ordem do real; ou, em uma etapa ainda mais completa (e complexa): na transformação da ordem do mundo e da vida.

(1) Originalmente parte do relatório apresentado à SME-RJ (2001) por ocasião de meu retorno à sala de aula após a primeira etapa do doutorado em filosofia - modificado em 2007 quando o enviei para a Revista Nós da Escola da MultiRio (a revista saiu de circulação e o artigo nunca foi publicado...)

(2) KANT, I. Lógica (Apêndice: “Anotações do professor Immanuel Kant sobre a organização de suas preleções no inverno de 1765-1766”).

(3) e (4) KANT, I. Crítica da Faculdade do Juízo – a terceira Crítica kantiana, onde o filósofo aborda o pensamento estético.