“Como foi que um físico, afeito à abstração, uma pessoa acostumada a objetos imateriais e invisíveis, campos e partículas elementares, pode se interessar profundamente pelo material e colorido mundo das artes?” (Goldfarb)
VASCULHANDO ESTRELAS E CORAÇÕES
(O Pensamento de Mario Schenberg por José Luiz Goldfarb)
Imaculada Conceição
O mínimo quando se ganha um presente é agradecer. Mas como sou por demais lenta, só agora – semanas depois... – é que estou a escrever estas palavras. Certo, o livro não era (só) para mim, mas, como veio com dedicatória, fiquei feito criança não querendo largar o doce (i.e., depositá-lo nas prateleiras da biblioteca da escola)...
O título desta postagem se deve ao fato de que quando li sobre Schenberg lembrei-me de Blaise Pascal, o único físico e matemático que estudei mais de perto. Só que na época de Pascal (séc. XVII) não havia esta profissionalização, especialização, de ser físico, matemático, cientista, era tudo um pouco amador, os caras eram verdadeiros aventureiros do conhecimento. Pascal, mais do que amar a matemática e a física – lembremos que, além de fazer parte da História da Matemática, foi ele um dos que teorizou e realizou experiências sobre o vácuo, entre várias outras genealidades para a época –, dedicou-se também a pensar o destino dos humanos sobre a terra, os costumes, a psicologia dos comportamentos, os paradoxos da política, a fé, a religião, a razão etc. Além de se preocupar com questões ditas “práticas”: foi ele quem projetou a primeira máquina de calcular - para aliviar o trabalho de seu pai -, quem criou, junto com um amigo, os primeiros transportes públicos da França, quem entrou em polêmicas político-religiosas para defender seus amigos jansenistas e sua irmã religiosa de Port-Royal - etc.
Dá até para ver aí um certo traço com a inicialização de Schengerbg aqui no Brasil. Formado em Engenharia e Matemática, começa a trabalhar com Física numa época em que isso não era ainda profissão em nossas terras, e tinha um gosto que o atraía para várias áreas do conhecimento e das vivências do humano: interessava-se por artes, política, misticismo, cabala, religião etc.
Schenberg... Certamente, já tinha ouvido falar e lido alguma coisa de Schenberg quando estive ligada mais de perto às artes visuais; mas como ele era de uma geração mais antiga de críticos de arte, e quando se é jovem a gente fica mais ligada aos nomes do momento (e são estes que acabam por ocupar nossa memória ativa), Schenberg era apenas um nome dormindo em minha memória remota. Um nome que só foi despertado quando entrei na página da net que remetia ao livro de Goldfarb(1).
E como, habitualmente também, quando lemos um artigo de crítica de arte, muito raramente nos perguntamos “quem é o cara que escreve?”, i.e., o que ele faz da vida além de pensar, refletir, apreciar e escrever sobre arte, jamais poderia imaginar que se tratava de alguém com uma formação ligada à matemática, à física, enfim, às “ciências exatas”.
É comum aos que não são desta área ter uma visão preconceituosa daqueles que optaram pelas ditas ciências exatas. Os imaginamos como pessoas pouco preocupadas com os sentimentos, com a beleza, com a poesia da vida e da criação humana. Julgamos habitualmente os cientistas como racionais ao extremo, analíticos insensíveis da estrutura íntima do mundo e do universo - apenas preocupados em esquematizá-los pra daí montar sistemas -, secos e metódicos, ocupados com intrincados cálculos numéricos, com os olhos sempre metidos em algum microscópio ou telescópio, com o pensamento voltado pra algum canto da mente onde não reina a beleza da vida e os paradoxos do viver humano sobre a terra...
Ora, é isso que vemos desmentido no livro de José Luiz Goldfarb: Voar Também é com os Homens: O Pensamento de Mário Schenberg, Edusp, SP, 1994.
Fala Goldfarb da vida, obra e pensamento deste que foi seu grande mestre. A trajetória que percorreu para se tornar o físico renomado, respeitado internacionalmente, o professor universitário de prestígio, muito querido e admirado por seus alunos e pares acadêmicos, o pensador do filosófico “núcleos fundamentais”, o político militante, idealista, solidário e preocupado com os destinos do mundo humano, o cidadão que tinha “a vida como praxis” - como fala Goldfarb -, o apreciador e amante das Artes, crítico estimado e reconhecido pelo público e pelo meio artístico... até seus últimos dias de vida, que Goldfarb presenciou e descreveu num dos mais belos momentos do livro...
“[Havia momentos em que Schenberg] parecia estar ouvindo de uma forma diferente, estranha, como ele costumava dizer. Não respondia com palavras, mas com expressões faciais e poucos sons mal articulados. Depois de ter passado anos escutando Mário Schemberg, foi realmente um período muito diferente pra mim” – confidencia Goldfarb (2).
Schenberg tornou-se “profissionalmente” crítico de arte (3) quando ficou impossibilitado de lecionar na Universidade por conta de questões políticas – ele foi perseguido por ter pertencido ao Partido Comunista Brasileiro - na época da repressão do regime militar no Brasil. E pra quem não conhece o “métier”, um crítico de arte não é o burocrata ou o analítico da arte a descrever, especificar, medir, avaliar e catalogar uma obra, um trabalho de arte. O crítico – e creio que o próprio Schenberg não atentava muito pra isso, senão... por que recusar o “título”? (4) - é aquele que tem sensibilidade (associada a conhecimento e capacidade reflexiva) para por em palavras a força ou fraqueza de um trabalho, sua pertinência ou impertinência, sua inserção no espaço da arte, sua poesia e suas loucuras...
“Como foi que um físico, afeito à abstração, uma pessoa acostumada a objetos imateriais e invisíveis, campos e partículas elementares, pode se interessar profundamente pelo material e colorido mundo das artes?” – provoca Goldfarb (5).
Sim, físicos – como o próprio Goldfarb em sua formação e atuação acadêmica como historiador da Física – são homens sensíveis. São poetas. Senão não se interessariam e se dedicariam tanto às estruturas nano e macro deste nosso mundo e universo...
“...na estante de mário / física e poesia coexistem” (6)
O título desta postagem se deve ao fato de que quando li sobre Schenberg lembrei-me de Blaise Pascal, o único físico e matemático que estudei mais de perto. Só que na época de Pascal (séc. XVII) não havia esta profissionalização, especialização, de ser físico, matemático, cientista, era tudo um pouco amador, os caras eram verdadeiros aventureiros do conhecimento. Pascal, mais do que amar a matemática e a física – lembremos que, além de fazer parte da História da Matemática, foi ele um dos que teorizou e realizou experiências sobre o vácuo, entre várias outras genealidades para a época –, dedicou-se também a pensar o destino dos humanos sobre a terra, os costumes, a psicologia dos comportamentos, os paradoxos da política, a fé, a religião, a razão etc. Além de se preocupar com questões ditas “práticas”: foi ele quem projetou a primeira máquina de calcular - para aliviar o trabalho de seu pai -, quem criou, junto com um amigo, os primeiros transportes públicos da França, quem entrou em polêmicas político-religiosas para defender seus amigos jansenistas e sua irmã religiosa de Port-Royal - etc.
Dá até para ver aí um certo traço com a inicialização de Schengerbg aqui no Brasil. Formado em Engenharia e Matemática, começa a trabalhar com Física numa época em que isso não era ainda profissão em nossas terras, e tinha um gosto que o atraía para várias áreas do conhecimento e das vivências do humano: interessava-se por artes, política, misticismo, cabala, religião etc.
Schenberg... Certamente, já tinha ouvido falar e lido alguma coisa de Schenberg quando estive ligada mais de perto às artes visuais; mas como ele era de uma geração mais antiga de críticos de arte, e quando se é jovem a gente fica mais ligada aos nomes do momento (e são estes que acabam por ocupar nossa memória ativa), Schenberg era apenas um nome dormindo em minha memória remota. Um nome que só foi despertado quando entrei na página da net que remetia ao livro de Goldfarb(1).
E como, habitualmente também, quando lemos um artigo de crítica de arte, muito raramente nos perguntamos “quem é o cara que escreve?”, i.e., o que ele faz da vida além de pensar, refletir, apreciar e escrever sobre arte, jamais poderia imaginar que se tratava de alguém com uma formação ligada à matemática, à física, enfim, às “ciências exatas”.
É comum aos que não são desta área ter uma visão preconceituosa daqueles que optaram pelas ditas ciências exatas. Os imaginamos como pessoas pouco preocupadas com os sentimentos, com a beleza, com a poesia da vida e da criação humana. Julgamos habitualmente os cientistas como racionais ao extremo, analíticos insensíveis da estrutura íntima do mundo e do universo - apenas preocupados em esquematizá-los pra daí montar sistemas -, secos e metódicos, ocupados com intrincados cálculos numéricos, com os olhos sempre metidos em algum microscópio ou telescópio, com o pensamento voltado pra algum canto da mente onde não reina a beleza da vida e os paradoxos do viver humano sobre a terra...
Ora, é isso que vemos desmentido no livro de José Luiz Goldfarb: Voar Também é com os Homens: O Pensamento de Mário Schenberg, Edusp, SP, 1994.
Fala Goldfarb da vida, obra e pensamento deste que foi seu grande mestre. A trajetória que percorreu para se tornar o físico renomado, respeitado internacionalmente, o professor universitário de prestígio, muito querido e admirado por seus alunos e pares acadêmicos, o pensador do filosófico “núcleos fundamentais”, o político militante, idealista, solidário e preocupado com os destinos do mundo humano, o cidadão que tinha “a vida como praxis” - como fala Goldfarb -, o apreciador e amante das Artes, crítico estimado e reconhecido pelo público e pelo meio artístico... até seus últimos dias de vida, que Goldfarb presenciou e descreveu num dos mais belos momentos do livro...
“[Havia momentos em que Schenberg] parecia estar ouvindo de uma forma diferente, estranha, como ele costumava dizer. Não respondia com palavras, mas com expressões faciais e poucos sons mal articulados. Depois de ter passado anos escutando Mário Schemberg, foi realmente um período muito diferente pra mim” – confidencia Goldfarb (2).
Schenberg tornou-se “profissionalmente” crítico de arte (3) quando ficou impossibilitado de lecionar na Universidade por conta de questões políticas – ele foi perseguido por ter pertencido ao Partido Comunista Brasileiro - na época da repressão do regime militar no Brasil. E pra quem não conhece o “métier”, um crítico de arte não é o burocrata ou o analítico da arte a descrever, especificar, medir, avaliar e catalogar uma obra, um trabalho de arte. O crítico – e creio que o próprio Schenberg não atentava muito pra isso, senão... por que recusar o “título”? (4) - é aquele que tem sensibilidade (associada a conhecimento e capacidade reflexiva) para por em palavras a força ou fraqueza de um trabalho, sua pertinência ou impertinência, sua inserção no espaço da arte, sua poesia e suas loucuras...
“Como foi que um físico, afeito à abstração, uma pessoa acostumada a objetos imateriais e invisíveis, campos e partículas elementares, pode se interessar profundamente pelo material e colorido mundo das artes?” – provoca Goldfarb (5).
Sim, físicos – como o próprio Goldfarb em sua formação e atuação acadêmica como historiador da Física – são homens sensíveis. São poetas. Senão não se interessariam e se dedicariam tanto às estruturas nano e macro deste nosso mundo e universo...
“...na estante de mário / física e poesia coexistem” (6)
NOTAS
(1) GOLDFARB, José Luiz. Voar Também é com os Homens: O Pensamento de Mário Schenberg, Edusp, SP, 1994. Neste site, é possivel acessar o livro on-line e ler algumas de suas páginas: http://books.google.com.br/books?id=dFRC7Y_E6p4C&printsec=frontcover&source=gbs_v2_summary_r&cad=0#v=onepage&q=&f=false
(2) GOLDFARB, J. L. (p.62)
(3) Mario Schenberg, no entanto, não se intitulava crítico de arte – como testemunham suas próprias palavras, citadas por Goldfarb em seu livro: “[...] eu não sou crítico de arte e muito menos teórico da arte. Sou uma pessoa que sempre gostou de arte, sempre se interessou pela arte. [...] Foram os artistas que confiaram em mim” (p.127).
(4) Ver nota acima.
(5) GOLDFARB, J.L. (p.126).
(6) Versos da poesia “Hieróglifo para Mário Schenberg” de Haroldo de Campos, citado por GOLDFARB, J. L (p.123).
(7) Imagens: pinturas de José Roberto Aguilar; capa do livro de Goldfarb.
Que texto delicioso! Ainda bem que descubra aqui q não sou a única a pensar nos da ciências
ResponderExcluirexatas como insensíveis ou ao menos ligados apenas no que é objetivo!
Olá, Patricia! Delicioso foi o seu comentário! Obrigada! :)
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