domingo, 14 de março de 2010
CHATROULETTE: A SORTE ESTÁ LANÇADA!
Imaculada Conceição
Nunca tinha ouvido falar em Chatroulette aqui no Brasil! E se não fosse eu seguir uns franceses no Twitter, creio que ia demorar muito ainda para ouvir falar nisso...
Não, não foram os franceses que criaram, mas a ideia "chatroulette" até que tem um ar (filosoficamente) bem francês. E eu creio que seja por isso que eles tem "tweetado" bastante e escrito diversos artigos sobre(1). O que acabou despertando minha curiosidade...
Chatroulette é um site que permite aos internautas conectarem-se pela webcam aleatoriamente com qualquer outro do mundo inteiro (que esteja no momento também conectado ao site). Devo dizer que não é nem de longe algo que me atraia. Primeiro, meu laptop (meu único computador no momento) é modelo antigo, daqueles que não tem uma webcam embutida (ela veio avulsa e eu a sequer tirei da embalagem!). Imagina eu aparecer toda descabelada (ao contrário de um de meus avatares no Orkut)???!! Ou, então, com cara de poucos amigos, nada sorridente - ao contrário de alguns de meus outros avatares em mídias sociais -, querendo morder o primeiro que me apareça??!! Ora, eu escolhi aquelas imagens a dedo para parecer sempre agradável - e não “aparecer” com meu gênio do momento! rs (o que não adianta muito porque minhas palavras são minha face...)!
Não, não... Isso é coisa para os mais jovens que curtem uma relação mediada por webcams...
Aliás, foi um garoto russo de apenas 17 anos quem criou este novo - e polêmico - fenômeno da net, que já ganhou milhares de adeptos no mundo inteiro em tão poucos meses (foi criado em novembro de 2009) - e até uma pesquisa acadêmica nos EUA! Andrey Ternovskiy diz ter criado o site despretensiosamente, apenas para se divertir e oferecer diversão aos moleques de sua idade, que curtem um chat amizade e xeretar bizarrices na Net!
A idéia é simples, trata-se de um "chat roleta"(2): quando o cara clica em “play”, a sorte é lançada: e vai cair aleatoriamente em alguém conectado ao site! Através de suas webcams, eles conversam ou simplesmente se olham ou fazem um show qualquer de exibicionismo! Se o internauta não gostar de quem está vendo - ou do “que” – já que por lá aparece de tudo, desde pessoas querendo simplesmente bater um ingênuo papo ou apenas dizer um “olá!” até exibicionismo sexual, pedofilia, propaganda nazista e as mais surreais bizarrices do mundo – o que torna o site com justiça condenável por muitos(3) -, basta clicar em “next” e a roleta irá novamente rodar, fazendo cair num outro acaso qualquer conectado...
Quem já experimentou diz que é um tal de “next, next, next, next...”, ninguém tem paciência de interagir por muito tempo – até porque, como eu disse, nem tudo que cai lá é agradável o suficiente... -; as pessoas ficam logo curiosas de ver onde vai tombar a próxima jogada!
Enfim, o que me fez sentir vontade de escrever algumas palavras sobre um site que sequer acessei e sequer pretendo acessá-lo é que achei bastante curiosa esta nova loucura obsessiva do mundo online! Por que será que as pessoas acham atraente deixar que a aleatoriedade do acaso escolha para elas seus companheiros de interação?
Talvez por que no final das contas todo encontro seja mesmo um tanto aleatório? ...mistura incerta de acaso e destino...
*
Só hoje (14/03/2010), assim terminei de escrever o rascunho desta postagem, é que li o primeiro texto em português sobre Chatroulette(4). Uma reflexão bem interessante de um cara que narra sua experiência com o site e tenta fazer umas relações filosóficas com o pensamento de Foucault. Vale a pena ler!
Já entrar no site Chatroulette... se você tem boa saúde, não tem estômago frágil e nem tendência a pesadelos à noite... Quem sabe?
NOTAS
(1) É só entrar no http://owni.fr/ e procurar pela tag “chatroulette” para ler vários artigos interessantes sobre (ou referências remetendo a outros sites com artigos pertinentes).
(2) Chatroulette quer dizer: “chat” – aqueles dos bate-papos online – e "roulette" – roleta.
(3) Escreve Vicente Glad (tradução não literal): "Chatroulette não é um site não indicado aos menores de 18anos. Isso seria muito limitativo. Chatroulette não é recomendado aos menores de 18 anos, às pessoas de idade, aos cardíacos, aos tímidos e, pra ser mais geral, a todos aqueles que ainda creem em uma humanidade digna"! Muito bom este texto: "Chatroulette, le grand frisson du Net", Vincent Glad http://www.slate.fr/story/16803/chatroulette
Neste artigo, o autor relaciona alguns dos motivos que fariam o sucesso do site Chatroullet e ainda tece um interessante parelelo com a filosofia de Emmanuel Levinas.
(4) "Chatroulette", postado por Andre Lemos no Blog Carnet de Note (em 21/02/2010): http://andrelemos.info/2010/02/chatroulette/
O autor cita um artigo do New York Times - de onde ele diz ter ouvido falar pela primeira vez sobre Chatroulette - "The Surreal World of Chatroulette" http://www.nytimes.com/2010/02/21/weekinreview/21bilton.html?partner=rss&emc=rss
(5) Uma curiosidade (li hoje na net: 14/03/2010): os brasileiros já "piratearam" Chatroulette: temos uma versão tupiniquim chamada Cata Papo! Li aí neste site (onde há também o link de acesso a Cata Papo): http://info.abril.com.br/noticias/internet/chatroulette-e-copiado-por-brasileiros-13032010-10.shl
sábado, 13 de março de 2010
Estava tentando corrigir o texto de minha postagem anterior, pois estava - aliás, como me ocorre muitas vezes... – com palavras e passagens repetidas... mas... Consegui, não! Quando substituía os termos por pronomes ou sinônimos - conforme o caso -, ou cortava um pedaço da escrita etc., via que não ficava nada legal. Então, deixei assim mesmo como estava (pra não piorar! rs)... Há um escrito de Blaise Pascal que sempre me consola nesses casos insolúveis! ;)
“Quando num discurso se encontram palavras repetidas e que, tentando corrigi-las, nós as achamos tão adequadas que estragaríamos o discurso, cumpre deixá-las: marcam a personalidade. A inveja, que é cega,não sabe que essa repetição não é erro nesse lugar, pois não existe regra geral”. PASCAL, Blaise (Pensamentos, fr.48/Br.)
sexta-feira, 12 de março de 2010
VASCULHANDO ESTRELAS E CORAÇÕES: O Pensamento de Mario Schenberg por J.L.Goldfarb
“Como foi que um físico, afeito à abstração, uma pessoa acostumada a objetos imateriais e invisíveis, campos e partículas elementares, pode se interessar profundamente pelo material e colorido mundo das artes?” (Goldfarb)
VASCULHANDO ESTRELAS E CORAÇÕES
(O Pensamento de Mario Schenberg por José Luiz Goldfarb)
Imaculada Conceição
O título desta postagem se deve ao fato de que quando li sobre Schenberg lembrei-me de Blaise Pascal, o único físico e matemático que estudei mais de perto. Só que na época de Pascal (séc. XVII) não havia esta profissionalização, especialização, de ser físico, matemático, cientista, era tudo um pouco amador, os caras eram verdadeiros aventureiros do conhecimento. Pascal, mais do que amar a matemática e a física – lembremos que, além de fazer parte da História da Matemática, foi ele um dos que teorizou e realizou experiências sobre o vácuo, entre várias outras genealidades para a época –, dedicou-se também a pensar o destino dos humanos sobre a terra, os costumes, a psicologia dos comportamentos, os paradoxos da política, a fé, a religião, a razão etc. Além de se preocupar com questões ditas “práticas”: foi ele quem projetou a primeira máquina de calcular - para aliviar o trabalho de seu pai -, quem criou, junto com um amigo, os primeiros transportes públicos da França, quem entrou em polêmicas político-religiosas para defender seus amigos jansenistas e sua irmã religiosa de Port-Royal - etc.
Dá até para ver aí um certo traço com a inicialização de Schengerbg aqui no Brasil. Formado em Engenharia e Matemática, começa a trabalhar com Física numa época em que isso não era ainda profissão em nossas terras, e tinha um gosto que o atraía para várias áreas do conhecimento e das vivências do humano: interessava-se por artes, política, misticismo, cabala, religião etc.
Schenberg... Certamente, já tinha ouvido falar e lido alguma coisa de Schenberg quando estive ligada mais de perto às artes visuais; mas como ele era de uma geração mais antiga de críticos de arte, e quando se é jovem a gente fica mais ligada aos nomes do momento (e são estes que acabam por ocupar nossa memória ativa), Schenberg era apenas um nome dormindo em minha memória remota. Um nome que só foi despertado quando entrei na página da net que remetia ao livro de Goldfarb(1).
E como, habitualmente também, quando lemos um artigo de crítica de arte, muito raramente nos perguntamos “quem é o cara que escreve?”, i.e., o que ele faz da vida além de pensar, refletir, apreciar e escrever sobre arte, jamais poderia imaginar que se tratava de alguém com uma formação ligada à matemática, à física, enfim, às “ciências exatas”.
É comum aos que não são desta área ter uma visão preconceituosa daqueles que optaram pelas ditas ciências exatas. Os imaginamos como pessoas pouco preocupadas com os sentimentos, com a beleza, com a poesia da vida e da criação humana. Julgamos habitualmente os cientistas como racionais ao extremo, analíticos insensíveis da estrutura íntima do mundo e do universo - apenas preocupados em esquematizá-los pra daí montar sistemas -, secos e metódicos, ocupados com intrincados cálculos numéricos, com os olhos sempre metidos em algum microscópio ou telescópio, com o pensamento voltado pra algum canto da mente onde não reina a beleza da vida e os paradoxos do viver humano sobre a terra...
Ora, é isso que vemos desmentido no livro de José Luiz Goldfarb: Voar Também é com os Homens: O Pensamento de Mário Schenberg, Edusp, SP, 1994.
Fala Goldfarb da vida, obra e pensamento deste que foi seu grande mestre. A trajetória que percorreu para se tornar o físico renomado, respeitado internacionalmente, o professor universitário de prestígio, muito querido e admirado por seus alunos e pares acadêmicos, o pensador do filosófico “núcleos fundamentais”, o político militante, idealista, solidário e preocupado com os destinos do mundo humano, o cidadão que tinha “a vida como praxis” - como fala Goldfarb -, o apreciador e amante das Artes, crítico estimado e reconhecido pelo público e pelo meio artístico... até seus últimos dias de vida, que Goldfarb presenciou e descreveu num dos mais belos momentos do livro...
“[Havia momentos em que Schenberg] parecia estar ouvindo de uma forma diferente, estranha, como ele costumava dizer. Não respondia com palavras, mas com expressões faciais e poucos sons mal articulados. Depois de ter passado anos escutando Mário Schemberg, foi realmente um período muito diferente pra mim” – confidencia Goldfarb (2).
Schenberg tornou-se “profissionalmente” crítico de arte (3) quando ficou impossibilitado de lecionar na Universidade por conta de questões políticas – ele foi perseguido por ter pertencido ao Partido Comunista Brasileiro - na época da repressão do regime militar no Brasil. E pra quem não conhece o “métier”, um crítico de arte não é o burocrata ou o analítico da arte a descrever, especificar, medir, avaliar e catalogar uma obra, um trabalho de arte. O crítico – e creio que o próprio Schenberg não atentava muito pra isso, senão... por que recusar o “título”? (4) - é aquele que tem sensibilidade (associada a conhecimento e capacidade reflexiva) para por em palavras a força ou fraqueza de um trabalho, sua pertinência ou impertinência, sua inserção no espaço da arte, sua poesia e suas loucuras...
“Como foi que um físico, afeito à abstração, uma pessoa acostumada a objetos imateriais e invisíveis, campos e partículas elementares, pode se interessar profundamente pelo material e colorido mundo das artes?” – provoca Goldfarb (5).
Sim, físicos – como o próprio Goldfarb em sua formação e atuação acadêmica como historiador da Física – são homens sensíveis. São poetas. Senão não se interessariam e se dedicariam tanto às estruturas nano e macro deste nosso mundo e universo...
“...na estante de mário / física e poesia coexistem” (6)
NOTAS
(1) GOLDFARB, José Luiz. Voar Também é com os Homens: O Pensamento de Mário Schenberg, Edusp, SP, 1994. Neste site, é possivel acessar o livro on-line e ler algumas de suas páginas: http://books.google.com.br/books?id=dFRC7Y_E6p4C&printsec=frontcover&source=gbs_v2_summary_r&cad=0#v=onepage&q=&f=false
(2) GOLDFARB, J. L. (p.62)
(3) Mario Schenberg, no entanto, não se intitulava crítico de arte – como testemunham suas próprias palavras, citadas por Goldfarb em seu livro: “[...] eu não sou crítico de arte e muito menos teórico da arte. Sou uma pessoa que sempre gostou de arte, sempre se interessou pela arte. [...] Foram os artistas que confiaram em mim” (p.127).
(4) Ver nota acima.
(5) GOLDFARB, J.L. (p.126).
(6) Versos da poesia “Hieróglifo para Mário Schenberg” de Haroldo de Campos, citado por GOLDFARB, J. L (p.123).
(7) Imagens: pinturas de José Roberto Aguilar; capa do livro de Goldfarb.