[ ...algo que eu quero (agora) escrever... (parte II) ]
O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora (Blaise Pascal)
[3]
Imaculada Conceição
Faz alguns dias e eu tweetei pela primeira vez[1]. Eu não pretendia "seguir" mais esta... moda? Uma colega professora me perguntou: você tem o twitter da secretária de educação? Dizem que ela [ou a equipe] sempre responde! Eu estava com uma dúvida que colega professor nenhum conseguia me dar a resposta. Bem, não era pra tanto perguntar à secretária de educação de nosso município – até porque acabei me virando na resposta em questão -; por isso, não vi, a princípio, nenhum interesse em entrar pro Twitter (além do mais, de meus contatos do mundo presencial, poucos estão lá, e dos que estão, ainda menos são os que tweetam com frequência).
Um dia, porém, a curiosidade tomou conta de mim, fui até o site, coloquei minha conta do Google/Gmail (pra adicionar contatos) e lá estava eu, “
seguindo o pássaro azul”...
Falei aqui sobre Twitter por conta de meu texto anterior sobre correspondências internautianas (
clique aqui). Lá, eu falei sobre ter um interlocutor que poderia ser dito virtual, sem, no entanto, sê-lo de todo, já que se trata de uma pessoa (mesmo quando esta é dissimulada num “fake”, ainda assim é uma pessoa... apenas exercendo sua capacidade “fraudulenta”) real, de carne, osso, sangue, sentimentos, dores, alegrias, tristezas, dúvidas etc., do outro lado da fala. Mas acabei não falando: e quando escrevemos em lugares como, p.ex., este aqui, um blog - que talvez seja lido por alguém, talvez... por ninguém?
Enviar e-mail, bater papos em sites de relacionamentos etc. tem um interlocutor “real” (a não ser que seja spam ou um daqueles “e-mails boatos”, que levam um leve terror à população, como uma “lenda urbana”... estes se dirigem a quem abrir e ler... qualquer um... ninguém...); mas, e escrever em sites e blogs ou microblogs (como o Twitter)? Há uma virtualidade no fato que é apenas uma possibilidade o ouvinte de nossa fala. Quantos textos, quantas milhares de imagens não estão por aí, navegando perdidos nos espaços infinitos da internet? Certo, há sites e blogs com um público específico (e fiel, como nas comunidades online); e no Twitter muitas vezes nos dirigimos a alguém em particular, mas, ainda assim, grande parte do que está por ai (e por aqui) dirige-se a um público “possível” (verdadeiramente, virtual!).
Ora, não haveria aí também uma similaridade com nossas vivências precedentes, anteriores ao mundo das virtualidades digitais? Crianças, idosos, doentes mentais, prisioneiros, vândalos, artistas etc. muitas vezes gostam de tomar paredes e mais paredes com suas palavras, garatujas, desenhos, signos... Poetas e escritores escrevem muitas vezes pra “ninguém”. Escrevem e rasgam. Ou engavetam... Esta vontade humana de se expressar, de falar, de escrever (neste caso, certo, depois do mundo letrado e para os que tiveram a sorte de se tornarem letrados) não é nova! Mudaram os meios? Talvez só isso... As pessoas falam em “revolução da internet”, do mundo digital, virtual etc., mas eu só vejo uma continuação de nossa humanidade. (Inter)Relação ou simbiose homem-máquina? Sim. Algumas vezes... Mas o que ainda é mais forte é a relação homem-homem e a máquina intermediando. Ou é o homem com ele próprio. Ou é o homem com outro humano...
Escreve-se “para ninguém” - ou "pra qualquer um" - quando se enchem paredes etc. Como quando se é criança – eu mesma, em quantas paredes não deixei minhas garatujas? -, ou em alguns casos da velhice avançada... - como minha mãe já idosa(4) pelas paredes da sala de estar; como os confinados (ou não) nos manicômios, como os detentos em suas celas, como os pichadores dos muros urbanos, como o anônimo em seu ato solitário que senta no vaso de um banheiro público e deixa lá, na porta, seus registros gráficos – misto de vandalismo, poesia, desabafo, necessidade básica da natureza humana de se expressar, de se comunicar com não importa quem...
Já me diverti (e refleti) muito lendo o que esses "poetas do anonimato" escreveram. Na faculdade de filosofia do Rio (IFCS/UFRJ), p.ex., na época em que estudei por lá, as portas dos banheiros eram plenas de reflexões, entre outras banalidades comuns a todos nós humanos (declarações de amor, manifestações de tesão, doçuras, sonhos, perversões...). Lembro de uma ocasião em que um artista plástico levou umas portas de banheiros (acho que da Central do Brasil, mas não tenho certeza... faz tempo...) para expor. Na exposição teve público leitor certo. Mas o cara que escreve nas portas dos banheiros públicos escreve “para ninguém” e “para todo mundo”. Desabafam, refletem, poetizam, xingam, criticam, erotizam, enviam recados... É apenas a vontade humana de se expressar, falar, gritar...
Assim como é uma vontade humana ouvir o que o outro tem a dizer. Pode ser que aquela imundice vândala não seja nem lida por ninguém, mas você põe o traseiro no vaso e lá estão as palavras, os desenhos, os signos, os rabiscos, os grafites etc. gritando pra você! Alguém lerá...
Em algum momento a imundice vândala de uma pichação urbana te tocará...
Certa vez, me emocionei muito ao ler, de dentro de um ônibus, escrito no alto de uma das paredes do Cais do Porto do Rio, uma sequência de banais pichações que terminavam com esta singularidade: “amanhecendo”... Pensei neste momento do solitário pichador. O fim da parede, o fim da escuridão da noite que o protegia da ilegalidade de seu vandalismo, o fim de suas palavras, de sua fala... por ora...
Eu, particularmente, nunca tive vontade de deixar um único ponto num desses espaços inusitados da fala humana - ao menos, não depois de adulta... Quando criança, sim. Eu escrevia pelas paredes de minha casa, pelos muros, eu deixei uma poesia no telhado quando consegui subir até lá... Eu escrevia cartinhas pra Deus. Eu as colocava atrás da "Santa Ceia", que ficava sob a mesa das refeições familiares. O quadro, uma reprodução da obra de Leonardo Da Vinci, graças a uma inclinação de alguns graus, aguentou o quanto pode minhas palavras ao Santíssimo. Um dia, porém, o bendito quadro tombou, derramando numa imundice só dezenas de bilhetinhos e cartas pelo chão da cozinha. Minha mãe respeitou, não leu, quis apenas saber de quem era a traquinagem!
Ficando eu proibida, a partir de então, de usar o “espaço sagrado”, passei a enterrar minhas correspondências ao Divino no canteiro de nossa casa. A infância se foi, mas a vontade de escrever (e ler o que as pessoas escrevem), não. Às vezes, é vontade de escrever para um “público certo”, para um interlocutor (ou interlocutores) definido, às vezes, é vontade de escrever “pra ninguém”... ou pra quem aparecer... e ler...
Eu coloco: “Bom dia, twitteiros!”: a quem me dirijo? A todos que me “seguem’’? Ou a ninguém? E aqueles a quem eu sigo quando escrevem? ...não importa... o que importa? Vou lendo os tweets que me chegam (e escrevendo os meus) como frases nas portas dos banheiros públicos... como as pichações nos muros da cidade, nos bancos dos coletivos urbanos... como as paredes dos manicômios... casas que tem crianças e velhos... as celas dos presídios... blogs, sites e demais sítios online que carregam milhares e milhares de palavras, imagens, informações... Eu escrevo neste blog, eu tweeto no meu microblog palavras... palavras... palavras... palavras... palavras... Paredes, muros, portas de banheiro virtuais...[2] Eu (per)sigo o pássaro azul...
[ O pássaro azul do Twitter ]
[ O Pássaro Azul, peça de Maurice Maeterlinck (L’Oiseaux Bleau); aí na imagem, a versão americana (The Blue Bird) filmada na década de 40 com Shirley Temple e os efeitos especiais de um cara que entrou pra história da animação, Walter Lang. Vi este filme quando criança, na Sessão da Tarde, e o revi há alguns meses, na companhia de minha mãe - que era fã do filme e da protagonista, cujos cachinhos ela tentava reproduzir em meus louros cabelos de menina -, um pouco antes dela falecer... Hoje, 24/11/09, dia em que escrevo este texto, faz exatamente três meses... ]
NOTAS:
[1] Manuscrevi este texto em 24/11/2009 (pouco depois de tweetar pela primeira vez em 19/11/09), e o postei no blog, salvando-o como rascunho, em 29/11/09. Mas só hoje, 25/01/2010 é que o tornei público - embora a data que conste seja ainda a do rascunho feito em 2009! É verdade que eu podeira (re)postar com a data atualizada, mas... achei legal esta do blog de preservar a data em que postamos o texto pela primeira vez.
[2] Recentemente, uma colega professora me enviou um manual online sobre o Twitter - “Tudo o que você precisa saber sobre o Twitter (você já aprendeu numa mesa de bar)” - e eu achei o site “Twitter Brasil” [clique nas imagens laterais para entrar nos sites], neles descobri – e no próprio Twitter – umas definições bem divertidas: “Twitter é, no final das contas, uma mesa de bar”; “É um radar captando o que milhões de pessoas estão pensando/fazendo naquele momento; “É um confessionário em praça publica”; “É como um pátio de hospício, cada um falando ‘sozinho’, eventualmente alguém responde”; “É fruto do amor proibido entre o scrap do Orkut e o MSN” etc. etc. etc.
Vejo que tem de tudo por lá, de autopromoção a propaganda (velada, mas nem tanto) política - aliás, há um verdadeiro bombardeio de propagandas dos mais variados produtos e serviços -; de citações literárias e filosóficas a "pornopiadas"; de links educativos ou informações úteis a bobagens inúteis - embora algumas vezes divertidas! -; de notícias de última hora a jornalismo tardio; enfim, todo tipo de divulgação, confissão, desabafo, provocação, palavras poéticas, passos da rotina diária, pessoal ou profissional - que muitas vezes se mesclam, numa mistura de público e privado - etc. etc. etc.
Por isso as definições dos que usam o Twitter são muitas... mas minha primeira impressão - assim entrei - foi esta, a da correlação entre os grafismos e escritos espalhados pela cidade – seja nos espaços coletivos da urbanidade, seja no espaço privado de nossos lares, celas etc. - e tudo que é lançado na imensidão destes espaços infinitos, a Internet...
[3] Para quem não conhece, esta é uma das falas do Profeta Gentileza (José Datrino) de seu “livro urbano”, cujas páginas foram escritas nas pilastras de um viaduto no Centro do Rio. Eu cheguei a pegar várias vezes ônibus com ele pro Centro, na Av. Brasil, no ponto do bairro onde moro (e ele morou por uns tempos...). Uma figura enigmática, com sua túnica branca e imagens coloridas, sua longa barba, seu discurso mítico-místico, seu profético estandarte...
[4] "Velhice avançada"? Esta quarta nota, acrescento agora, em 2010, só pra dizer que, após a morte da mãe de Roberto Carlos, aos 96 anos, e da mãe de Chico Buarque de Holanda, aos 100 anos, vejo que minha mãe era até "nova" quando faleceu, já que, pela idade, bem poderia ter sido filha de uma delas!
Imaculada Conceição