sábado, 7 de janeiro de 2012

Educação: Novos Paradigmas [2]




Meu comentário ao texto de João Mattar: Formação de Professores

[ Originalmente um comentário informal(*) à postagem de João Mattar(**), em seu blog sobre cursos de formação de professores.(1)
Como, noutro dia, postei aqui um comentário que fiz - Educação: Novos Paradigmas 1 - de seu vídeo, que fala do uso de games na educação... achei que seria interessante postar este comentário também... ]

Imaculada Conceição




Hoje estava andando pela praia e me veio à cabeça este grande insight, rs: “formação de professores” é a expressão politicamente correta, que inclusive uso, mas dá uma sensação de que os professores são deformados, não? De que temos uma forma pronta para formatar todos. Caberia perguntar aos professores se eles querem ser “formados” e, principalmente, para que forma.

A expressão politicamente correta em inglês, hoje, é Professional Development, que está mais próxima do campo semântico de aperfeiçoamento do que de formação.

Mas tem outro grande insight, mais antigo: é incrível como hoje todo mundo se considera preparado e capaz de formar professores no uso de tecnologias me educação (às vezes só porque sabe mexer em um software ou é apaixonado por tecnologia), todo mundo tem um coelho na cartola, um curso prontinho na cabeça, uma ideia de como os professores devem ser, em que eles devem se transformar, um discurso pronto sobre a “resistência” dos professores, um clichê sobre a zona de conforto, o que está errado na educação, uma revolução!

Todo mundo é capaz de rabiscar uma rota de formação de professores em minutos, seguro de que aquele é o melhor caminho, sem mesmo ter dado aula ou tendo tido um mínimo contato com alunos.

Mas valeria a pena ouvir só um pouquinho os professores, não? Saber o que eles querem, do que eles precisam. Este é um dos princípios do design educacional: analisar os aprendizes e seu contexto. Mas não, queremos mudar, enxergamos perfeitamente (de fora) o que está errado e como as coisas deveriam ser, ignorando o que os próprios professores pedem – afinal, se as coisas estão erradas, eles por consequência pedem errado, querem naturalmente continuar com o status quo, qualquer demanda deles é um sinal de resistência, e é preciso mudar, mudar para a nossa visão.

Cabe saber se queremos formar o outro, de acordo com as suas necessidades, ou reformar a nós mesmos, projetando no outro o que queremos mudar em nós. Mas o princípio básico da alteridade diz: eu sou eu, o outro é o outro.

Nunca estamos prontos, somos metamorfoses ambulantes, mas não precisamos necessariamente nos transformar no sonho dos outros. Nossa visão tem também que ser ouvida. Demonizar os professores não é a solução para a educação, mas um movimento na direção da tirania da formação.

Meu comentário ao texto de João Mattar:
Formação de Professores(*)


João, sob esta perspectiva que você citou, pior do que "formação" é "capacitação" (os cursos atuais para os educadores do Rio tem esse nome): seríamos então... "incapazes"? Na verdade, João, eu me importo bem pouco com a nomenclatura que dão aos cursos de "aperfeiçoamento profissional" (como você bem citou, uma nomenclatura boa, mas creio que não usada para evitar confusão com as "Pós" assim denominadas) que nós, professores, recebemos! Participo dos cursos de formação, das capacitações... e o que mais aparecer! Neles aprendemos bem mais do que o "conteúdo" oferecido (que às vezes não acrescentam quase nada ou são "nulos" para nossa real prática em "sala de aula")! Temos contato com outros colegas professores: e só isso já vale! É inacreditável como, não importa qual a estrutura da escola em que trabalhamos, se temos mais ou menos recursos disponíveis, mais ou menos liberdade/autonomia dentro dos espaços escolares, se a escola fica na periferia ou nas áreas centrais e "nobres" da cidade... Parece que os nossos problemas semelham... Alguns estão "tão desanimados" que confessam já terem "jogado a toalha", "desistido" da educação... mas, passa um tempo e... os reencontramos animados e confiantes, apresentando seus novos projetos! "Nós somos professores (brasileiros) e não desistimos nunca"! rs

Aliás, em falar em sala de aula, em prática pedagógica (em especial, no ensino fundamental e médio - e, mais especificamente, no ensino público), cito a frase que mais me chamou atenção aqui no seu texto (e a que mais gostei): "Todo mundo é capaz de rabiscar uma rota de formação de professores em minutos, seguro de que aquele é o melhor caminho, sem mesmo ter dado aula ou tendo tido um mínimo contato com alunos"! O mais assustador é quando nós, professores, que sabemos o que é educar em uma escola (todas as dificuldades reais!) construímos discursos que parecem ter sido feitos para "agradar" os caras que querem montar todo um esquema vindo "de fora"... A escola ainda é construída de modo a não nos permitir plenamente trabalharmos com projetos que possibilitem uma maior autonomia e conexão colaborativa entre nós, professores, e nossos alunos. Na maioria das vezes, o que conseguimos realizar dentro dos "novos paradigmas" educacionais acaba sendo nas atividades extra-classes (ou em projetos que - infelizmente - não abrangem todas as nossas turmas, durante todo o ano letivo).
O que é a "escola de fato"? Espaços/tempos (de)limitados = grade curricular/carga horária/(infra)estrutura construída de modo a não favorecer plenamente as "inovações" educacionais...

É preciso só um cuidado: há os que pensam que bastaria mudar toda a estrutura "arquitetônica" e inserir aulas com uso de TICs em salas ambientes bem equipadas para já estarmos trabalhando dentro de um "novo paradigma educacional"! Qualquer professor do ensino fundamental e médio que já trabalhou ou que conhece quem trabalha numa escola "com todos esses recursos" (ou que tem filhos, parentes ou filhos de amigos que lá estudam) sabe que não é bem assim... Eu estive numa reunião numa dessas escolas e fiquei tão encantada com seu "arquitetônico estilo futurista", que cheguei para um professor, que leciona nela, e disse: "Cara, você trabalha no paraíso!" - e ele me respondeu com ar desalentado: "Nem tudo é o que parece..."! Senti-me no filme Matrix!!!!

A "tecnologia pode trazer transformações importantes", sim, mas ela não é tudo... Eu conheci recentemente uma professora que trabalha com métodos tradicionais de alfabetização, e cujas as vagas para sua turma são concorridíssimas dentro da escola! As crianças que não conseguiram aprender a ler e a escrever em anos anteriores em outras turmas (e que estão com defasagem de idade/série) são pela professora alfabetizadas! Ela incentiva a leitura de livros e escritos "tradicionais" (e tem um projeto excelente, chamado "Rua da Leitura")! Em vez de games, jogos virtuais, ela trabalha com o xadrez! Eu vi alguns de seus alunos permanecerem espontaneamente na sala de aula jogando xadrez, ainda que liberados para se divertirem num gigantesco "parque de brinquedos" montado na escola na Semana do Dia das Crianças! Sim, ela poderia inserir as TICs em seu projeto pedagógico... Mas o que é "essencial"? O essencial é o modo como ela trabalha, como ela consegue construir com seus alunos o conhecimento. O uso das novas tecnologias seria nesse caso apenas uma "ferramenta", um "recurso a mais", não a "essencialidade" de sua prática pedagógica!(2)

Investir em uma reflexão a respeito da expansão tecnológica na sociedade, sua função sócio-político-cultural, sobre os modos de apropriação desta tecnologia, interessa a todos nós, professores ou não, trabalhando ou não com tais recursos, interessa-nos enquanto cidadãos. Eu não percebo tanta resistência assim entre os colegas professores em trabalhar com o uso das "novas" tecnologias... e menos ainda em possibilitar aos alunos uma maior autonomia na construção de seu conhecimento (trabalhando com projetos). Optar por uma determinada linha de trabalho agora se chama ser "retrógrado"? Eu chamaria de autonomia e liberdade. O que eu vejo é muito preconceito vindo "de fora", de quem não está envolvido no processo de trabalho das escolas de ensino fundamental e médio...

Para finalizar, outra citação: "Demonizar os professores não é a solução para a educação, mas um movimento na direção da tirania da formação"! Céus, João, espero que bem poucos "daqueles" que querem nos "formar", nos "formatar", nos "capacitar", e que não são professores regentes, (ainda) nos demonizem de fato! rs Tirania da formação? Que venham os tiranos! ;)

Imaculada Conceição

NOTAS:

1 - "Formação de Professores", por João Mattar: Publicado originalmente no Blog De Mattar, em 29 de dezembro de 2011: http://joaomattar.com/blog/2011/12/29/formacao-de-professores/

2 - "Desafios na Rua da Leitura - Profª Marisa Helena CIEP Rubens Gomes 6ªCRE" (19/11/2011), por Imaculada Conceição Manhães Marins - Rioeduca Net - A Revolução Acontece: http://www.rioeduca.net/blogViews.php?id=1518

3 - Fotos: Eu com os meus alunos, da E.M. Mario Piragibe/6ªCRE-RJ, em nossas aulas de "Animação experimental".